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sábado, 23 de outubro de 2010

Qualquer coisa

Tanta coisa desimportante é escrita por esses dedos cumpridos e um pouco estranhos. Insisto em borrar a brancura. São borrões tão sem graça, que não dizem nada. É como se falasse sem dizer absolutamente nada. Uma espécie de mudez escancarada, que salta pela garganta a fora. Mas será que há motivos pra escrever alguma coisa? Essa coisa de motivos não funciona pra mim. Geralmente, me perco durante alguma coisa que escrevo. Talvez seja isso mesmo: escrevemos para nos perder, pra sumir. Pode ser isso. Agora mesmo, já não sei por que comecei a traçar essas árduas linhas. Estava estirada na cama, ouvindo um certo minimalista, e um tremor percorreu o corpo todo, e antes de pensar qualquer coisa, estava eu sentada digitando palavras aturdidas. Há um mistério nessas coisas de escrever. Um mistério insondável pra mim. Talvez, um segredo. Essas coisas podem ser bonitas se não lhe dermos um tom muito grave. Abismos chamam o tempo todo. Eles precipitam a vida com cheiros confusos. As náuseas são coisas que põem os dedos para trabalhar. Sei lá por que, mas vontade de escrever também vem com elas. Mas o que é que digo mesmo?

Ana Laura Navegueiro

domingo, 17 de outubro de 2010

meio de noite


O som que retinia na madeira velha e seca incitava uma nova embriaguez conhecida. Os graves incendiando a noite de sábado, agora vazia de gente. Aquele corpo de cordas trêmulas e mal tocadas se grudava à pele embebida em desejo. Música! Palavra alguma conseguiria se aproximar daquele instante marginal, em que o corpo ébrio só queria deitar no chão frio. Solos e solidões embalam essa noite transgredida. Solos que arranham a alma. Solidões povoadas de tantas coisas... tantas e tantas gentes, cheiros, esquecimentos. O som de piano alastra, queima as pestanas do escuro. Quem ousaria dizer o que se sente? Como é que se coloca aquilo que esfola a pele num papel?

maicon barbosa

sábado, 16 de outubro de 2010

Fragmento

A mesa posta e farta. Sorrisos contidos iluminam a antes obscura sala. A loucura, doravante, não é mais convidada a temperar a ceia. Agora, o asseio de tudo é percebido na limpidez das palavras, no comedimento do ar que circula, circunda e adentra no lar. Tudo cheira comida e austeridade. Nada trás saudades dos incensos insensatos que outrora invadiam as narinas e aprisionavam o coração.



Yon