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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Peso do dia

Me sinto idiota demais agora. O mundo me pesa, como toneladas que quase afundam o cargueiro pesado, apesar de este não ser tão velho assim. Os olhos ardem diante de tanta confusão. Mãos vazias não seguram. Sorvo-me em meus pesares, como um punhado de chumbo lançado nos turvos córregos de uma cidade sempre suja. Me sinto alheia à vida que vivo. Só quero a recusa dela. Empapuçada estou cá. Entojo! Náusea que rasga a pele do dia findado. Mas ainda não fui me deitar. Na verdade, nesse momento desenrolo meu ofício penosamente. Um sono já seria um alívio. Ah, como preciso dormir do mundo! Um tarde de desencontros. Mas acho que não é só isso. O que desejo afinal? A moça de pernas à mostra não me é bonita. Não Agora. O peso da vida inteira de um dia eterno resolve desabar sobre as costas exaustas. Acho que é um desabafo do corpo quase adormecido pela dor. Olhando pra esse meu ofício idiota, me desintegro. O fio da agulha desregulada do tempo corta a carne vestida de tristeza. A tagarelice me apunhala o peito febril. Pros diabos com tanta merda dita! Com tanto ressentimento, com tanta lembrança ruim! Explodam-se os falatórios, as discussões, as gritarias que não agüentam sofrer! Ainda não sei escutar nada. Ainda não...


Ana Laura Navegueiro

sábado, 20 de novembro de 2010

Fragmentos de Loucura 2

Foi uma viagem diferente

O trecho? Já o conhecia muito …

Mas dentro de mim o mundo balançava

Ao meu lado, personagens figurantes

A minha frente? Ela, a vida …

Que eu não queria mais!


O que eu estava fazendo ali?

Não sei …


O carro comia os quilômetros

E a tristeza devorava o meu ser...

Tantas perguntas

Nenhuma resposta

Mas vou continuando a viagem


Será que abri o livro errado?

O que eu quero não encontro aqui

Vai anoitecendo

Eu quero parar

Eu quero pular

Eu quero viver

E quero morrer!

Paradoxo.


O que eu estou fazendo aqui?


De repente, a loucura...

A salvação!

No meio do nada eu desço do carro

E fujo para o meio do mato

Para não mais voltar.

Yon

sábado, 23 de outubro de 2010

Qualquer coisa

Tanta coisa desimportante é escrita por esses dedos cumpridos e um pouco estranhos. Insisto em borrar a brancura. São borrões tão sem graça, que não dizem nada. É como se falasse sem dizer absolutamente nada. Uma espécie de mudez escancarada, que salta pela garganta a fora. Mas será que há motivos pra escrever alguma coisa? Essa coisa de motivos não funciona pra mim. Geralmente, me perco durante alguma coisa que escrevo. Talvez seja isso mesmo: escrevemos para nos perder, pra sumir. Pode ser isso. Agora mesmo, já não sei por que comecei a traçar essas árduas linhas. Estava estirada na cama, ouvindo um certo minimalista, e um tremor percorreu o corpo todo, e antes de pensar qualquer coisa, estava eu sentada digitando palavras aturdidas. Há um mistério nessas coisas de escrever. Um mistério insondável pra mim. Talvez, um segredo. Essas coisas podem ser bonitas se não lhe dermos um tom muito grave. Abismos chamam o tempo todo. Eles precipitam a vida com cheiros confusos. As náuseas são coisas que põem os dedos para trabalhar. Sei lá por que, mas vontade de escrever também vem com elas. Mas o que é que digo mesmo?

Ana Laura Navegueiro

domingo, 17 de outubro de 2010

meio de noite


O som que retinia na madeira velha e seca incitava uma nova embriaguez conhecida. Os graves incendiando a noite de sábado, agora vazia de gente. Aquele corpo de cordas trêmulas e mal tocadas se grudava à pele embebida em desejo. Música! Palavra alguma conseguiria se aproximar daquele instante marginal, em que o corpo ébrio só queria deitar no chão frio. Solos e solidões embalam essa noite transgredida. Solos que arranham a alma. Solidões povoadas de tantas coisas... tantas e tantas gentes, cheiros, esquecimentos. O som de piano alastra, queima as pestanas do escuro. Quem ousaria dizer o que se sente? Como é que se coloca aquilo que esfola a pele num papel?

maicon barbosa