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quinta-feira, 14 de maio de 2009

Pirroenaicos



Se eu ao menos soubesse o que acontece, ou o que na verdade está acontecendo comigo.
Acordo de madrugada, vindo de pesadelos surreais, freudianos, terríveis. Como se a minha vida estivesse sendo passada a limpo no meu inconsciente perdido. Como se todas as noites, eu marcasse um encontro com tudo que deixei pendente, para resolver amanhã, no ano que vem, ou na próxima encarnação.
Se eu ao menos tivesse a pedra filosofal dos pensamentos, o fogo da consciência que transforma toda distração em atenção.
Mas eu não tenho nada disso. Na minha cabeceira encontra-se o desespero humano de Kierkegaard. Na minha cabeça, o meu próprio desespero, por saber que a vida não vai a lugar algum e que todos os ídolos são apenas pedras. Pela sensação de que eu acabo juntamente com os segundos do meu relógio, que o tempo é um demônio malvado chamado morte, que consome as minhas células e escarnece da minha esperança.
Parei em um lugar qualquer da história antiga. Numa dessas escolas de mistérios que tanto encontravam-se no oriente. Acho que era um mosteiro essênio. Em sonho, fui recebido pelos seus membros, que me disseram estar ali o homem que comandaria a ideologia maior do mundo. Não quis conhecê-lo, para não cair na tentação de assassiná-lo. Mas vivo desejando coisas que há tanto se passaram, talvez por temer o que se passa agora. Não acredito em nada. Não confio em ninguém. E também não vou ao cinema.
O fundador do ceticismo foi Pirro. Ele não deixou nenhum escrito, mas legou-nos essa filosofia dos honestos, da qual Agostinho combateu com veemência. Isso foi há muito tempo, mas ainda hoje na minha cabeça, nos meus sonhos, Pirro e Agostinho continuam seus debates infernais. Por não terem se encontrado em vida , pessoalmente, eles marcam sínodos nos meus sonhos. E o que eu posso fazer é assisti-los estupefato.

Yon Macedo

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Nord-est-in-os: meninos cosmopolitas



Alguns meninos do nordeste querem a vida! Não são moralistas que pregam uma pureza da cultura. Para eles nunca houve uma cultura pura no nordeste. Pensam que esse lugar de terra seca sempre foi híbrido, misturado, miscigenado... Sotaques se embaralham nessa grande mestiçagem. Eles viram o acordeom europeu ganhar novas gingas, e o for all forrobodó ensaiar os passos no chão batido das casas de pau-a-pique. Outros ritmos, outras cores se costuraram. Esses meninos desejam o excesso, em excesso... Eles não vêem problema algum em misturar as línguas, os sons, os cheiros, os saberes e sabores. Rabecas com samplers, sanfonas com guitarras futuristas, alfaias com pianos enlouquecidos.
Eles não caem na armadilha do purismo/puritanismo. Gostam de pandeiros, triângulos, orquestras sinfônicas, jazz de várias cores, distorções pesadíssimas, cavaquinhos, berimbaus... Literatura de cordel e Dostoiévski estão em suas estantes oscilantes de vara. Eles não têm problemas com estrangeirismos. Nasceram num lugar estrangeiro, inventado, arredio, mutante. Gostam de rapadura, fricassé, macaxeira assada, vinhos... Gostam de feijão com arroz e carne de sol, bebidas fermentadas, fubuias, e outras cositas más. Eles não desejam uma coisa só! Cresceram aprendendo ISSO com a vida. Eles passeiam pelas feiras-mundo nordestinas. Viram muitas coisas nessas andanças de menino. Têm “fome de tudo” e não temem as emboladas. São gourmets sofisticados, bruxos de caldeirões furados, que vazam por todos os lados sem apagar o fogo de lenha elétrica... Eles viram a dor, o chicote, o sangue e a morte também. Viram gente girando a moenda e acorrentada pelo pescoço feito bicho. Às vezes esses meninos sentem medos, choram, gritam, batem o queixo e se desesperam... São os outros tons da vida, eles não os desprezam.

Maicon Barbosa