A cidade me atropela. Tira-me o fôlego. Faz explodir milhares de tremores, indecifráveis, sísmicos, velozes. O que se passa no corpo seria completamente indizível, se não existisse uma certa habilidade para simular os acontecimentos, para produzir outros. Azáfama. Matilhas ladram. Ladrões. A cidade nos engole com sua multiplicidade, e descer por essa garganta vivaz não é nada confortável. Nada de turismos assépticos. O que irrompe aqui é a transmutação do viajante em nativo. Transmutação sempre temporária. Tornar-se um daqueles/esses. Virar o lugar. Ser absolvido pelas pulsações do lugar. Não basta olhar a paisagem de longe, por detrás de vidros homeostáticos. A cidade alheia e arredia, por vezes se coloca de tal maneira no corpo, que compreendemos muito bem, nesses momentos, a vida de um vidente. Ver o além. O além dos além. Não um além transcendente, cujos pés nunca tocaram o solo, e nunca tropeçaram numa poça de lama. Trata-se de um além estético, que pulula nas experiências artísticas e estilísticas do corpo. Ser vidente. Isso não é fácil ou tranqüilo. Sentir os universos insignificáveis que se deslocam nos movimentos cotidianos da urbe. Estranhamento. Isso ativa o corpo, fragmenta vitrificações e congelamentos mortificantes. Continuo sem ar. Respiro tudo agora. Não me contento apenas com o oxigênio. Quero as poluições; todas elas. O suor respira tudo. O delírio. Gente passa, anda, corre, morde, pula, cheira, e olha prá cá. Uma multidão irreconhecível me povoa. A lente da câmera sanguínea salta de repente. O que há agora é um olho/corpo onipresente. Onipresença desse presente, a única vivível. Sinto tudo. A vida gira e despedaça as calmarias. Gritei há alguns minutos. Gritos desesperados. Não sei se ouviram, mas os urros foram altos, estridentes. Vibraram por todos os poros. Continuam vibrando. Os poros se dilatam. Absorvem os climas. O lugar fala em mim. Ele é quem escreve esses emaranhados. Ele é desordenado. Anda, subvertendo. O enxame de línguas estranhas segue mordendo, arrancando pedaços. Só há dentes no corpo. Dentes das línguas estranhas e animalescas.
Decidi abandonar todas as ilusões que eu ainda tinha Quanto a esse amor, quanto a nois dois Decidi parar de sofrer e de alimentar esse câncer Que há algum tempo me devora Essa saudade louca que eu tenho de tudo que vivemos Decidi ignorá-la A ilusão que eu tinha da sua pessoa Decidi que não vale mais a pena cultivar A pessoa que eu quero só existe nos meus sonhos A paixão que eu imagino nunca existiu tal como a vejo hoje Tudo é pontencializado Pela saudade que eu sinto e que decidi Abandonar para sempre...
Alguns instantes são eternizáveis! É isso que pulsa nesse momento, nesse esboço de alguma coisa, de sei-lá-o-quê. Encontros acidentais. A amizade é – em certa medida – um universo de acidentes, colisões inesperadas, às vezes até premunidas, que colore insistentemente a vida. Os elementos dessa atmosfera fortuita misturam-se numa profusão indecifrável. Radiohead, bebidas fermentadas, Nação Zumbi, biscoitos sabor churrasco, conversas sobre política, Led Zeppelin, petiscos penosamente assados, José Saramago, “forasteiros” daqui, prosas sobre filosofia, Chico Buarque, devaneios em relação à vida sentimental, estridentes gargalhadas, balbucios sobre cinema, nostalgias diversas... E isso ainda não é tudo. Gaguejos sobre a morte, Kafka, narrativas sobre os ossos e ócios do ofício, o desejo de ler Jack Kerouac, piadas nordestinas, (por vezes a massa sonora entupia os ouvidos) Virginia Woolf, festas passadas e futuras, Afonso Manta, divagações sobre amigos ausentes. Ainda não é tudo... mas não é necessário estender demasiadamente a lista. Todas essas coisas estavam no encontro, naquele acontecimento de uma tarde-noite-madrugada-quase-amanhecer do fim de algum ano. Ou será começo? Prossigamos. Amigos se encontrando casualmente: haveria outra feracidade como essa na vida? Parece que as melhores comemorações são as que não têm motivo algum! (Talvez continue...)
"Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquerrealidade..." (Alberto Caeiro)
Por que ainda precisamos dos nomes próprios para pensar? Vamos insistir sempre em cair nessa armadilha, que reduz a pluralidade expressiva a um nome que nos violenta e nos encerra em redomas semióticas? Os nomes próprios aindam circulam por aqui, mas não são o centro... O desejo que irrompe por entre essas linhas e circuitos quer mais é conexões, muitas delas. O "um" não interessa aqui. Preferimos os bandos, os enxames, as matilhas, os cardumes, os tumultos...
A idéia de criar esse espaço escorregadio de passagens e transitações incessantes surgiu a partir de alguns encontros que propiciaram discussões com várias intensidades, em diversos terrenos do pensamento. Ramificações começaram a se produzir, e é desse oceano de pensamentos inquietantes que emerge esse espaço virtual. Vários processos, sempre inacabados, de criação de pontos de convergência, ou divergência, das multiplicidades pensantes, afetivas, perceptivas, artísticas, inventivas... Algumas produções de desejo, atmosferas pluralizáveis. Espacialidades de criação e afetivação de tudo.
MULTIPLICIDADES (DES)FOCAIS...
Denis Darzacq - La Chute
VIDEOATIVIDADES
PINCÉIS ATÔNITOS
Francis Bacon
Cabeça I
Cabeça II
Cabeça III
MULTIPLICIDADES (DES)FOCAIS...
Corpos sem órgãos - Fotos: Ana Paula Pessoa
Êxodos Sebastião Salgado
RUÍDOS E ALGUNS OUTROS SONS...
O Conteporary Noise Quintet é uma banda jazzística polonesa que transita por várias outras regiões musicais, com sonoridades intensas e desarranjos sísmicos...