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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Há muito

Há muito que as grandes datas não me dizem nada!
Sinto umas coisas meio estranhas demais nesses momentos
Um certo veneno me atinge, me embriaga
Deixa-me meio dormente, meio sonolenta
Como se afundasse num mar de algodão indelevelmente branco
Como se rolasse num campo de rosas inertes, que não me arranham, nem cheiram
Acho que sou transportada para outras luas, desertas
Habitadas apenas pelo vácuo e por alguns ecos
Hoje é uma desses dias
Fui arrebatada para o longe, há muito
Não existe decisão para essas coisas
Sou envolvida por uma névoa leve, entorpecente e sem cor
Que me invade o corpo todo
Essas datas importantes
E dias de fuga e solidão...


Ana Laura Navegueiro

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Eu não tenho nada a dizer...
No meu íntimo, mil terremotos assolam o meu ser ...Dizem que isso é doença
Eu prefiro acreditar que não é nada
é simplesmente eu ...
Eu nú
Eu despido de mim mesmo
E não tenho nada a dizer
Os poetas querem chamar atenção para si
E não conseguem se enxergar
Eu não me vejo
Como falar de mim se não sei quem sou ??
Seria muita audácia, ou antes, muita hipocrisia
Mas me atrevo a escrever
Quero compartilhar minha ignorância
Quero sinalizar que estou perdido
E não confio em ninguém ...

domingo, 22 de novembro de 2009

Um pouco demais

Queria mesmo era parar a roda e respirar

Por os pés nessa água turva e arredia

Ver o vestido que agora se disfarça de tristeza

Dançando no sopro

Meu corpo se entrega na imensidão da sutiliza

Dissolvo-me e sinto a pele se romper levemente, sem dor

Abraço com força aquilo que braço algum pode conter

E me lanço no abismo encantador que desliza à minha frente

Chegou a hora de partir

Chegou a hora desconhecida da solidão

Quero as estradas desse mundo

Aquelas que esperam ser tocadas por mãos delicadas

E sem costume no trabalho pesado

O vento, o vestido e o choro

O ar queima os pulmões dessa recém-nascida

Um pouco sozinha demais

Um pouco triste demais

Um pouco perdida demais

E um pouco viva, ainda


Ana Laura Navegueiro

domingo, 13 de setembro de 2009

despedidas de desterro

Cansei dos venenos de sempre
Quero ir pra onde ninguém saiba a cor do meu cabelo
Desprezo o gosto que não me engole, e cospe
A beleza que não arrisca está morta, há muito
Hoje é sempre
Sinto meu corpo estranho nesse banheiro da vida
Limpo demais pro meu gosto
Prefiro o limbo e o raso

O papel da farmácia já rasgou faz tempo
Cansei das mortes de sempre
Quero ir pra onde o ar tem um cheiro desconhecido
Minha cor é a cinza, agora
Mulher ao mar!
Caiu no vento!
Não me atirem, nada, nada
Quero a leveza, o solto e o salto
Diafragmas cantam a poeira do arraso
Minha poeira impura e frêmita que espalha o chão
Cansei dos remédios de sempre e das dores de nunca

Ana Laura Navegueiro

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Cicuta

O mundo vai se alargando

Tudo se cala

Aperto... aperto...

Vertigem

Vou ficando menor

A vida parou por um segundo,

Talvez dois

A noite segue silenciosa

Um falso poeta está sem sono

E sente coisas estranhas que apertam o peito

Anódina melancolia!

Febre e inércia de gente

O corpo pesa insuportavelmente e cai

As palavras são as minhas únicas companheiras nessa imensidão

Vou dançar com elas, pois a música já transborda tudo

Hoje, é uma dança lenta, triste e misteriosa

Vagarosidade de agora e despretensão

Ângulos do caos de dentro


Maicon Barbosa

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Perdido

Quem é que sabe pra onde?
Perdido
O corpo é pequeno demais
Olhar, é voraz
Vento se faz ventre
E pari a torpeza
Pura, calma
Fagulha no mar que não se apaga
É hora de brandir
Teimoso, não pergunta
Alvoroço dos diabos!
Surdez que não acaba mais
Lividez da solidão calada
É agora, é agora!

Ana Laura Navegueiro

quinta-feira, 9 de julho de 2009

9 de Julho

Apenas as nossas peles e talvez algum espaço separavam-nos. Eu estava muito próximo dela, mas não tinha a coragem de fitar seus olhos. O prazer era-me grande demais somente por estar tão perto; seu sorriso embriagava-me, eu amava cem vezes a mesma pessoa e ao mesmo tempo.Não pude evitar uma tontura iminente, um sentimento nauseante, como se eu já não tivesse pele nem qualquer coisa parecida com corpo. Ela também estava assim, pairando no ambiente, e os nossos átomos confundiram-se. Mas de repente, volto para a poltrona onde estava sentando e ela retorna ao seu lugar. Parece que o meu corpo está se fundindo aos poucos e pressinto que o meu coração pode sair pela boca. Sorrimos. Alguém conta uma piada, não presto a mínima atenção por que o restante de mim está tenso, mas finjo relaxar. Simulo estar seguro e tento convencer-me que não serei espalhado pelo primeiro sibilar de vento. Ela sorri, o sorriso dela é-me o tudo. Não, não posso dispersar-me novamente, preciso ir embora enquanto consigo! Eu preciso lembrar-me a todo momento que atribuem-me um nome, um endereço, um ofício! Não posso perder-me na frente dela, tentando classificar momentos para além dos momentos, onde conceitos não alcançam. Mas a minha odisséia continua: ela olha para mim. Pergunta-me alguma coisa trivial...Ora ! A minha própria morte seria algo trivial naquele instante. Nem sei como respondi; ela olha - me mais uma vez e parece se despedir. Estará indo embora ? É o que suspeito, e depois , o que se confirma: ela levanta e vai ...

Acabou.

Uma pausa.

Um rio pára de fluir.

Ondas num mar ficam extáticas.

Um cadáver não seria mais imóvel.

Acabou.

Sinto -me completo. Tenho novamente um nome e minha pele limita-me ao meu corpo. Transcendento-me nesse momento, imaginando quando voltarei a vê-la.


Yon Macedo



domingo, 28 de junho de 2009

sons e contorções

Abro a porta. Entro em casa. A primeira coisa que vejo é o vazio que ecoa, e imagino a música dançando pelo lugar. Coloco um som. A alegria pulsa em mim. A música é minha vida. Tudo se altera. Novas cores passeiam pela casa que agora está plenamente povoada. Gosto quando as ondas sonoras inundam os cômodos, chocam-se com portas e janelas, fazendo-as trepidar. De repente a paisagem ganha traços musicais. Belos traços, que se inscrevem em mim, nas paredes, no chão, no teto... Os móveis parecem dançar também. Tudo entra numa harmonia encantadora. O tempo não corre por aqui. Letargia intensa, movimentada, viva. O corpo se contorce involuntariamente. Ele e a música namoram longe dos olhares frios da intenção. Estão sempre volúveis.

Maicon Barbosa

segunda-feira, 22 de junho de 2009

afazeres cotidianos

Uma manhã ensolarada, de clima muito agradável. Ela entra pelas minhas frestas. Sempre está linda, mas hoje o ar matinal ampliou sua beleza a ponto de embaralhar os olhos de qualquer voyeur. Ela. Séria. Expressões compenetradas. Rosto sempre cerrado. Extremamente exasperada. Têm um quê de indiferença. Desliza pela superfície do seu corpo um charme irresistível, que embriaga, encanta. Feitiço angelical. Põe as mãos no rosto como quem esconde os olhos. Seus dedos passeiam por detrás da orelha para arrumar o cabelo que desaba sobre o rosto. Suas mexas têm vida própria. Dançam no vento como bailarinas ao som de Tchaikovsky. Parece impaciente. Tem um olhar distante, que percorre tudo que passa. Arranja os cabelos de um jeito que... tira o fôlego. Limpa, minuciosamente, as superfícies. Parece dançar com a vassoura nas mãos. Seus pés parecem de porcelana, com aquele aspecto de quem quase nunca vê o sol. O que os separa do chão, da terra molhada, é apenas uma tímida sandália de dedos, que ensaia pequenos abandonos. Pés fugazes e terra molhada: paisagem que se desenha em curvas de perfeição exagerada. Ela. Séria. Me fez estremecer. E estava apenas cuidando dos afazeres cotidianos.

Maicon Barbosa

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Fragmentos de férias

“Eu sempre faço uma besteira enorme:
Fico desperto enquanto o mundo dorme.
E eu hoje fiz outra besteira imensa:
Não pensei nada do que o vulgo pensa.”

(Besteira, Affonso Manta)


E quem sabe
Em algum destes versos
Em alguma destas palavras
Eu deixe escapar um pouco de mim?

Mais uma vez estou indo embora
E como é afeito a todas estas horas
Uma estranha melancolia ganha o peito
Situação essa, que me deixa meio sem jeito
Mas em outros momentos, algo normal...
Ir embora e voltar, sentimento virtual.

Diante das impossibilidades
Tive nuanças
Frente aos desafios
Desejei mudanças
Dos bons e maus momentos
Levarei lembranças.

Minha terra, minha cidade mística!
Toda sua mitologia, é a minha geografia
Toda sua religião, é a minha escuridão
As montanhas emocionais
Vejo-as ficando para trás
Vales de solidão
Não ganham mais o meu coração

Sentirei saudades outra vez?
Do teu córrego poluído
Dos teus anjos (e anjas) caídos?
Da tua Br 116...?

Talvez, em alguma destas palavras
Eu não tenha conseguido esconder
Os poucos dias de vida louca, intensa vida
Da qual tentei aqui viver

Agora vou ganhando meu cerrado
Assim vou esquecendo o meu passado
Agora caí a noite que um dia foi dia
Assim, vou deixando a tristeza e encontrando a alegria ...

Yon Macedo
Poções, Madrugada de 18/06/2009

terça-feira, 9 de junho de 2009

... a feminina

Ela tem uma gestualidade própria. Afirmação do corpo feminino, do corpo extremamente forte que só a feminilidade pode expressar. A força da vida feminina é sempre outra, indecifrável, inatingível... Ela tem graus de intensidade que não se pode alcançar. A questão nunca se refere ao alcançar; não é isso. Aproximar-se, fronteirar, misturar os ethos sem alcançá-los. Os gestos dela abrem fendas sem fundo nos cotidianos que a povoam. A feminina vai constituindo uma vida de extrema beleza, que escoa variavelmente. Em todo o tempo está vazada. Rompe diques e represas. Sangra eternamente. A sua força é a da dispersão. Essa beleza se espraia em si mesma, e alastra outros mundos que encontra no caminho. Oceanos desconhecidos. A diferença sem mediações. Não se trata de anatomia. O que pulsa são as areias movediças. Jeito de mulher.

Maicon Barbosa

sábado, 6 de junho de 2009

PLATONICAMENTE

O meu amor por você

É uma loucura

Que não cabe

Nem mesmo

Na minha cabeça

Mas eu gosto de vivê-la

Platonicamente ...


Te vejo com outro

Mas aqui dentro, és minha

Danças com outro

Mas aqui dentro, comigo

Diabos!!

Estas aqui ou algures?



Yon, Platonicamente, Macedo ...

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Pirroenaicos



Se eu ao menos soubesse o que acontece, ou o que na verdade está acontecendo comigo.
Acordo de madrugada, vindo de pesadelos surreais, freudianos, terríveis. Como se a minha vida estivesse sendo passada a limpo no meu inconsciente perdido. Como se todas as noites, eu marcasse um encontro com tudo que deixei pendente, para resolver amanhã, no ano que vem, ou na próxima encarnação.
Se eu ao menos tivesse a pedra filosofal dos pensamentos, o fogo da consciência que transforma toda distração em atenção.
Mas eu não tenho nada disso. Na minha cabeceira encontra-se o desespero humano de Kierkegaard. Na minha cabeça, o meu próprio desespero, por saber que a vida não vai a lugar algum e que todos os ídolos são apenas pedras. Pela sensação de que eu acabo juntamente com os segundos do meu relógio, que o tempo é um demônio malvado chamado morte, que consome as minhas células e escarnece da minha esperança.
Parei em um lugar qualquer da história antiga. Numa dessas escolas de mistérios que tanto encontravam-se no oriente. Acho que era um mosteiro essênio. Em sonho, fui recebido pelos seus membros, que me disseram estar ali o homem que comandaria a ideologia maior do mundo. Não quis conhecê-lo, para não cair na tentação de assassiná-lo. Mas vivo desejando coisas que há tanto se passaram, talvez por temer o que se passa agora. Não acredito em nada. Não confio em ninguém. E também não vou ao cinema.
O fundador do ceticismo foi Pirro. Ele não deixou nenhum escrito, mas legou-nos essa filosofia dos honestos, da qual Agostinho combateu com veemência. Isso foi há muito tempo, mas ainda hoje na minha cabeça, nos meus sonhos, Pirro e Agostinho continuam seus debates infernais. Por não terem se encontrado em vida , pessoalmente, eles marcam sínodos nos meus sonhos. E o que eu posso fazer é assisti-los estupefato.

Yon Macedo