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quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Conversas acadêmicas


O aluno chega todo entusiasmado com algumas idéias que surgiram, persistiram, tomaram espaço, incomodaram-no durante um bom tempo, e resolve expor suas inquietações para o professor, numa conversa particular.
- Professor, eu preciso conversar sobre algumas coisas que andei pensando nesses dias. É sobre o pensamento daquele filósofo, que o senhor vem discutindo nas aulas. Eu concebi os conceitos dele de outra forma. Discordo da sua última afirmação, que coloca esse pensador como um continuador da dialética. Não vi dialética nenhuma ali. Ele pensa numa perspectiva que rompe de vez com a dialética.
- Que bom que você se interessou pelas aulas! Fico feliz em ver que leu os textos realmente. Mas você não compreendeu direito algumas coisas. Ele efetivamente situa-se na tradição dialética. Isso está muito claro. Quase todos os comentadores dele escrevem isso.
- Mas acho que não. Ele não explicita isso de forma alguma. Sem contar com as severas críticas que ele mesmo faz à dialética, e a toda pretensão dialética dentro da filosofia. Acho que os que dizem que ele está na dialética fazem isso com interesses ideológicos bem explícitos.
- Você ainda não entende. Leu pouco. Não pode afirmar que acha isso ou aquilo de um saber assim. Já ficou mais que provado, com base no vasto conhecimento acadêmico, que o pensamento dele é dialético. Você não compreendeu. Não pode dizer isso de uma hora pra outra. Muitos teóricos conhecidos mundialmente já escreveram sobre ele, e você precisa ler todos esses comentadores. As coisas não são tão simples assim. Para se chegar ao conhecimento, é necessário muito tempo. Eu que já conclui o doutorado, e tenho muitos anos de carreira, sei muito bem como funcionam as coisas. Quando nós somos mais novos, inexperientes, achamos que é possível sair por ai fazendo qualquer leitura dos grandes autores. Mas essa empolgação passa, e percebemos que não podemos dizer nada que não tenha sido dito. Apenas mudamos a forma de dizer.
- Mas continuo a discordar do senhor.
- Eu conheço essa fase. Você ainda não tem condições de concluir nada sobre determinados pensadores. É muito difícil compreender de forma precisa os conceitos da maneira que o autor os cria. Isso só é possível depois de muito tempo de academia, depois de um doutorado, uma pós-doutorado, e muitas publicações sobre o seu objeto de estudo. Você ainda é muito novo, tem a vida toda pela frente. Leia mais, pois discordar de toda uma estrutura de saber que já está instituída, é uma atitude muito ingênua, e até impensada. Mas esse é o momento de errar mesmo. Só assim é que se aprende.
- Será que eu não posso pensar de outra forma sobre esse autor nesse momento da minha formação?
- Você já leu a obra dele toda?
- Li quase tudo. E o que eu falei é em relação ao que eu já li.
- E os comentadores de renome?
- Ainda não li.
- Você só pode concluir algo depois que entender os comentários das autoridades nesse assunto. São esses grandes estudiosos que decifram coisas confusas que alguns pensadores escrevem, coisas impossíveis de serem entendida sem eles. Mas esse é o caminho, continue se esforçando que um dia você chega lá.
- E aquela questão que levantei em sala de aula, sobre aquele conceito, que o senhor disse que responderia numa outra ocasião, já que a turma ainda não tinha aquela leitura?
- Acho melhor não discutirmos esse assunto nessa fase da sua formação. Para aprofundar isso, é necessário algumas outras leituras que você ainda não fez. Então fica para um futuro próximo. Mas assim que você estiver em níveis de conhecimento mais avançados, conversaremos sobre esse assunto. Agora não seria muito proveitoso. Eu vou ter que sair. Outro dia conversamos. Até mais!
O aluno sai extremante angustiado com a idéia de que tem que esperar muito tempo ainda para escrever sobre o que pensa daquelas coisas, e de todas as outras. E começa a achar que tudo já foi pensado por alguém, que não lhe resta mais muita coisa pra fazer além de repetir coisas compostas por outros. A criação vai ficando cada vez mais longe de sua realidade. A vivacidade pensante parece reduzir-se à morbidez das cópias eternas. Mas o incômodo inicial parece tomar agora proporções inimagináveis anteriormente. A fala da autoridade, além de censurá-lo, de alguma forma parece ter alimentado um desejo estranho, desejo de liberdade, de inventividade, de se livrar de uma vez por todas dos pesadíssimos fardos do academiscismo. Mas tudo isso ainda em absoluto segredo, já que ele não possue conhecimento suficiente para falar de si mesmo.


Maicon Barbosa